segunda-feira, 26 de agosto de 2013

NOVOS CONCEITOS DE REINOS DOS ORGANISMOS

Existem aqueles que consideram desprovidas de interesse as discussões sobre questões sem respostas inequívocas, experimentalmente comprovadas. Esse sentimento junto com o conservadorismo deve ser o responsável pela longa e incontestável dominância do sistema de classificação em dois reinos. Minha proposta é discutir o mérito de dois outros sistemas de classificação: o de Copeland (1956) e o de Whittaker (1959). Sistema de Dois Reinos O homem é terrestre e vê ao seu redor dois grandes grupos de organismos com diferentes adaptações para alimentação nesse meio – as plantas superiores, fotossintetizantes, e os animais superiores, que ingerem alimentos. Esses dois grupos são tão distintos quanto ao seu modo de vida e organização corporal que um conceito dicotômico é inevitável. Os conceitos de Reino Animal e Vegetal foram desenvolvidos pelos primeiros naturalistas sendo utilizados no sistema formal de classificação dos seres vivos desde Lineus. Musgos, liquens e algas macroscópicas aproximam-se claramente das plantas no seu modo de vida fotossintetizante e sedentário e foram então agrupadas com as plantas terrestres. Os fungos são sésseis e sua aparente capacidade de enraizar lembrava plantas. Pareceu então razoável designá-los parte do Reino das Plantas. Já a diversidade de vida unicelular desvendada pelo microscópio apresentou mais dificuldade. Algumas formas móveis e que se alimentam por ingestão foram, por isso mesmo, vistas como animais unicelulares ou protozoários. Outras, sésseis e fotossintetizantes, como plantas unicelulares. No entanto, restavam ainda muitos organismos nos quais características como imobilidade e mobilidade por flagelo ou pseudópodes, a capacidade de realizar fotossíntese e a de ingerir ou absorver nutrientes encontravam-se combinadas de diversas formas tornando difícil a separação dos organismos em Planta ou Animal. Também havia o caso das bactérias que podiam ser fotossintetizantes e móveis e que foram consideradas plantas por apresentarem parede celular. Os Reinos Animal e Vegetal nasceram de um processo em que organismos foram organizados em torno dos conceitos nucleares de planta e animal, derivados dos organismos superiores terrestres. Ficou reconhecido que o sistema de dois reinos apresentava problemas para tratar de organismos unicelulares, sendo que alguns desses grupos eram reivindicados tanto por botânicos quanto por zoólogos. O sistema parecia, no entanto, uma forma razoável de lidar com os seres vivos em duas direções evolutivas. Com o tempo o sistema pareceu não mais ser satisfatório e foram aparecendo novas propostas de classificação conforme as limitações do sistema tornavam-se mais evidentes. Limitação do sistema de Dois Reinos - Os protistas A limitação mais evidente do sistema é aquela relativa a organismos, dentre os unicelulares, que combinam características de plantas e animais. Devido à dificuldade de se separar de forma segura esses organismos em Planta ou Animal, diversos autores propuseram um terceiro reino de organismos primitivos. Hogg propôs para esses organismos o Regnum Primigenum e o termo “Protoctista”. Haeckel propôs o Reino “Protista” que seria composto apenas de organismos unicelulares. Embora a definição desse terceiro reino de organismos primitivos e o uso de “Protoctista” e “Protista” tenha variado, duas linhas principais podem ser apontadas. Ou esse reino compreende apenas os organismos unicelulares (incluindo os que formam colônias), como o Reino de Haeckel, ou inclui, além dos organismos unicelulares, organismos aos quais falta o tipo e o grau de diferenciação tecidual de animais e vegetais superiores, como fungos e a maioria ou todas as algas (Reino Protoctista de Hogg e Copeland). Diferentes interpretações podem ser dadas a Protista baseando-se no trabalho do próprio Haeckel. Protistas são concebidos como organismos unicelulares e como organismos que não formam tecidos verdadeiros. A eles são contrapostos os organismos com tecido verdadeiro do reino Histonia que inclui Metaphyta e Metazoa. Dessa divisão em organismos unicelulares e organismos com tecidos verdadeiros nasceu outra limitação. Esses reinos excluem um grupo intermediário formado por organismos que não apresentam uma diferenciação tecidual verdadeira, mas que são claramente multicelulares ou multinucleados como indicado pela diferenciação celular ou pela interdependência (esponjas); ou diferenciação somática de órgãos (algas superiores e musgos). Sugiro então que o Reino Protista reúna organismos que são unicelulares (coloniais ou não) que não formam tecidos. O reino alternativo, Protoctista, será concebido, como foi por Copeland, como um reino com organismos unicelulares, multicelulares ou multinucleados que não apresentam diferenciação tecidual, incluindo algas e fungos superiores. Sistema de Quatro Reinos de Copeland Os reinos definidos por Copeland são: 1) Reino Monera: organismos procariontes, unicelulares ou de organização colonial simples (bactérias e algas azuis); 2) Reino Protoctista (ou Protista para alguns): organismos eucariontes basais, podendo ser unicelulares, unicelulares coloniais, sinciciais ou multicelulares sem diferenciação de tecidos (algas, protozoários, e fungos); 3) Reino Metaphyta ou Embryophyta: eucariontes superiores, multicelulares com parede celular e plastos verdes, com tecidos verdadeiros. 4) Reino Metazoa eucariontes superiores, multicelulares, sem parede celular ou plastos; a maioria apresenta cavidade digestiva interna, movimentação por meio de fibras contrácteis, além de diferenciação avançada de células, tecidos e órgãos; passam no seu desenvolvimento pelos estágios de blástula e gástrula, são predadores típicos, e atingem alto nível de complexidade estrutural e funcional. Limitações do sistema de Copeland 1) Das três maiores formas de alimentação duas — fotossíntese e ingestão — dão um sentido evolutivo aos reinos das plantas e animais superiores. O terceiro — absorção — é ligado aos fungos superiores, mas não define uma posição certa; o modelo evolutivo desses organismos também não foi esclarecido. 2) O reino Protoctista perde em unidade e clareza de definição em relação aos três outros reinos. A forma de organização dos protistas é tão variada que esse reino mais parece uma confederação unindo todos os excluídos de Monera, plantas terrestres e animais multicelulares. Os filos definidos por Copeland dentro do Reino Protoctista são efetivamente uma divisão dos organismos eucariontes basais em grupos de linhas evolutivas pouco definidas. Na verdade, isso não é um problema do sistema de classificação de Copeland e sim um problema ligado ao fato de considerarmos os organismos vivos passíveis de serem classificados. Não existe uma forma correta de se separar organismos eucariontes basais e superiores, existem apenas diferentes formas com diferentes dificuldades. Sistema de Cinco Reinos Uma resposta diferente ao problema do sistema de quatro reinos é possível. Nesta solução: 1) fungos seriam aceitos como um terceiro grupo de organismos superiores, como as plantas e animais; 2) a linha divisória entre esses organismos e os protistas seria a transição da organização unicelular para a multicelular ou multinuclear; 3) as algas superiores seriam então incluídas no reino das plantas junto com as plantas superiores. Originalmente considerei Monera um sub-reino de Protista, mas hoje considero preferível uma separação total entre Monera e os protistas eucariontes. Os cinco reinos seriam: Monera, Protista, Fungi, Plantae e Animalia Escolhi como base para classificação, os três níveis de organização celular (procariótica (MONERA), eucariótica unicelular (PROTISTA) e eucariótica multicelular ou multinucleada. Para os multicelulares ou multinucleados, considerei três principais linhas evolutivas ligadas à nutrição, que expressam as divergências evolutivas entre os três reinos superiores: absorção para os fungos; fotossíntese para as plantas e ingestão para os animais. Limitações do sistema de Cinco Reinos 1) A distinção entre organização unicelular e multicelular ou multinucleada tornou-se a linha de divisão e ponto de dificuldade. O filo Chlorophyta inclui organismos unicelulares (coloniais ou não) e multicelulares, não se adaptando assim à definição de Plantae nem à de Protista. Os fungos ameboides (mixomicetos) também não se encaixam na definição de um único reino quando consideramos sua nutrição e organização e poderiam ser considerados um fungo aberrante, um protista excêntrico ou até mesmo uma planta muito peculiar. Eu havia sugerido que a divisão considerando a organização celular era melhor conceitualmente do que a divisão pelo grau de diferenciação tecidual. No entanto, as dificuldades práticas são tão grandes, se não maiores, do que as encontradas para separar os organismos considerando o grau de diferenciação tecidual. Pode-se encontrar diferentes opiniões tanto para uma como para outra linha de divisão, todas com mérito. 2) Mesmo excluindo algas multicelulares e Fungos, Protista ainda forma um grupo com direções evolutivas muito variadas. Alguns filos dentre os Protistas encontram-se mais próximos de filos dos três outros reinos do que de outros filos dentre os próprios Protistas. Os Protistas formam um complexo com enormes variações e conexões entre diferentes linhas evolutivas, apresentando polifiletismo indubitável. Conclusão Desde os primeiros naturalistas, as propostas para correções nas formas de classificação são consequência de um novo aporte de informações no que se refere às relações evolutivas entre os organismos. Existem vantagens em se considerar sistemas de reinos concorrentes. Nenhum desses sistemas é inteiramente satisfatório mas, com o tempo, pode ser que percebamos que um deles demonstra melhor as relações entre os seres vivos. Por enquanto, os sistemas merecem ser estudados com cuidado por biólogos para que seus méritos sejam avaliados e a carga de informação neles contida utilizada ou ainda mais incrementada. Os novos sistemas também são valiosos para o ensino pelo aporte de interesse e coerência que podem trazer a uma discussão sobre diversidade biológica. Não existem respostas inequívocas à escolha de um sistema de classificação, mas a questão é digna de discussão.

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